Tour de France

#França, região de Bordeaux, 2008

Você chegou ao seu destino.

pierreEra Matilde quem afirmava. Minha mãe tinha dado o nome de Matilde ao GPS. Achei um bom nome. Ao carro, chamávamos Pierre. E os dois vinham nos guiando desde Lisboa até a França por onde faríamos uma viagem de três semanas sem roteiro programado. Antes de comentar “nossa, viajar de carro com a mãe…?! Que chato. Que estupidez. Que coitada, não tem amigos!“, vou deixar claro para quem não conhece a minha mãe que ela é uma das melhores companhias de viagem que eu conheço. Aliás, uma das melhores companhias de vida. Quem a conhece, não preciso explicar, certo?

Enfim, já tínhamos passado uma noite em Salamanca (temos uma relação de muito amor com Salamanca), uma noite em Bilbao, uma manhã em San Sebastian, uma tarde em St. Emilion e estávamos procurando o nosso próximo pouso quando Matilde nos anunciou a chegada: VOCÊ CHEGOU AO SEU DESTINO.

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A ideia era ficarmos em Bed&Breakfasts durante a maior parte do percurso na França. Queríamos experimentar acomodações típicas de cada lugar, com alma, com história, com personagens incríveis. Comprei, antes de iniciamos nossa pequena aventura, um guia de B&B franceses com opções super charmosas e em locais paradisíaco. Antes de sair de Bilbao, fizemos a reserva nessa aparentemente simpática hospedagem no campo ao redor de Bordeaux. Vínhamos percorrendo estradinhas secundárias deliciosas sob os comandos de Matilde que já tinha as coordenadas indicadas no guia registradas. Começou a escurecer e minha mãe, que folheava o guia como quem zapeia a TV, reparou no que devíamos ter reparado antes: o check in era realizado apenas até as 19h da noite, sem exceções. Não me lembro em que horário notamos esse detalhe mas, pelos cálculos da Matilde, estávamos atrasadas.

Puxei um pouco pelo Pierre, controlamos a ingestão de água para evitar paradas, deixei minha mãe fumar pela janela do carro pelo mesmo motivo e, às 18h50, Matilde nos anunciou orgulhosa: Você chegou ao seu destino!

Ufa! Parei. Olhamos para um lado: vinhas. Para o outro: vinhas. Para trás: vinhas. Para frente: estrada e vinhas.

Matilde devia ter se enganado, há de haver uma entrada um pouco pra frente ou um pouco pra trás. Conduzi nas duas direções 200 metros. Depois 500. 1 quilômetro… E ela anunciava sempre no mesmo ponto perdido nas uvas que tínhamos chegado ao nosso destino.

A paisagem era levemente ondulada e pensei que poderia haver uma casa desaparecida nas densas vinhas nos esperando com uma garrafa de Bordeaux e um bom pedaço de queijo. Saí do carro para melhorar a visão. Nada. Subi no capô com minha mãe gargalhando enquanto me ajudava a não cair: Vinha, vinha, vinha, vinha. Voltamos para o carro, conseguimos um sinal de celular, minha mãe usou o seu francês arcaico para falar com a pousada e descobrimos depois de muito esforço que

  1. estávamos atrasadas para o check in e e não poderíamos ser recebidas
  2. a dona ou gerente da pousada não era muito simpática
  3. minha mãe conseguia se virar um pouquinho com o francês
  4. e, o mais importante, a senhora não tinha a menor ideia do que era uma coordenada de  GPS e nem onde estávamos.

Cansadas, com fome e morrendo de rir, decidimos ir diretamente para Bordeaux procurar um hotel. Depois de várias respostas negativas sobre a existência de vagas em diferentes hotéis na cidade, o gerente de um Ibis resolveu acabar com nossa busca: um quarto vago? Não. A informação de que estava havendo um congresso médico na cidade e que não conseguiríamos uma cama se quer em qualquer região próxima a Bordeaux. Achamos um pouco exagerado, então ele, com pena, começou a ligar para vários hotéis da rede Accor. Nada. Mesmo. Nem caro, nem barato.

A essas alturas, a noite já estava quase virando madrugada. Deixamos a cidade para trás e paramos na primeira cidadezinha a seguir. 2 hotéis, 3 pousadas, todos cheios. Estacionamos num Mc Donalds na estradas para usar o computador e procurar hospedagem. Sem sucesso. Então, minha mãe, na maior calma, começa a mexer no porta malas:

– O que você está fazendo, mãe?

– Nos preparando para dormir no carro.

– No carro?

– Por que não?

Sério… ela não existe. Já estava separando casacos para nos aquecer, fazendo trouxas de roupa par servir de travesseiro e dinheiro para pedir um jantar no Mc Donalds. Acabei aceitando a ideia do hambúrguer, mesmo estando na França, mas não a de dormir no carro.

– Vou dirigir até encontrar um hotel.

– Você vai ficar cansada, filha.

Ia mesmo. Mas ia ficar mais se dormisse no carro. Fiz um plano: dirigir na autoestrada por pelo menos uns 30 minutos para nos distanciarmos do congresso e então entrar na primeira cidade, no primeiro hotel e a aceitar o primeiro quarto.

Minha mãe colocou o rádio no máximo e foi cantando loucamente ao meu lado para eu não adormecer. Acelerei o Pierre de janelas abertas, o frio no rosto, chegamos a Ludon-Medoc, a um Mercure. Era uma e meia da manhã. Pedi um quarto. “só temos suíte presidencial”. Custava mais do que meu budget para 2 dias de viagem, contando comida, gasolina, hospedagem e extras. Aceitei assim mesmo.

O “quarto” tinha 2 suítes com banheiras de hidromassagem, um quarto com camas de solteiro, uma grande sala com um pequeno escritório e varanda e mais um banheiro com chuveiro. Queria aproveitar tudo aquilo, mas estava pregada. Fizemos um esforço: Pedimos vinho, pão e queijos, enchi as duas banheiras e tomei banho nas duas (minha mãe preferiu o chuveiro), bebemos vinho na varanda, experimentamos todas as camas e dormimos feito bebês até o limite do café da manhã. Fiz minha mãe acordar e comer o máximo que conseguia (ela não é muito fã de acordar cedo ou de café da manhã) para compensar o investimento e não termos que comer em breve. E ainda, confesso, enchi minha bolsa de guloseimas que nos alimentariam pelo resto do dia.

A partir daí, mesmo sem roteiro muito definido, começamos a fazer a reserva do próximo destino sempre de manhã, antes de sair do hotel, e passamos a nos hospedar numas redes de hotéis que têm sempre nas entradas das cidades como Mr Bed e Fórmula 1: você pode chegar a qualquer hora, não precisa falar com ninguém, as camas são sempre boas, os chuveiros fortes, os quartos limpos, os estacionamento seguros e os preços ótimos. E os sites dão as coordenadas certinhas.

E a alma, charme e personagens incríveis? Chegávamos tão cansadas a noite nos hotéis que tudo que queríamos era não ter que falar com ninguém ou admirar qualquer coisa.

Sobre Viajar de carro pela França:

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Sim, Paris é linda, mas o interior da França… um delírio. Cada cidade parece um cartão postal, o povo é super hospitaleiro, a comida ótima e as estradas são boas. Evitamos ao máximos as autoestradas para poder apreciar a paisagem.

Começamos a viagem na região de Bordeaux. Visitamos St. Emilion que é um charme só: totalmente preservada ou restaurada, com suas casas em tom de barro e cercada por todos os lados pelas vinha e vinícolas. Bordeaux é linda, grande, imponente. Margeaux, apesar do famoso vinho, tem praticamente só uma rua e é super sem graça com excessão de uma chocolateria maravilhosa de nome Mademoiselle de Margeaux. Adorei Cognac: cidade simpática e com a possibilidade de se visitar produtores de Cognac e fazer degustação. De lá, subimos para o Vale de Loire… Gente, que coisa maravilhosa!!! A região é lotada de castelos, um mais incrível e diferente que o outro. Apesar de ter alguns mais famosos, o que mais gostei foi Villandry porque eles têm um jardim enorme, tipo rainha de copas da Alice, onde tudo é comestível. Uma grande horta decorada! E no final tem uma feirinha onde adquiri Lourdes*. Seguimos para Paris, onde deixamos o Pierre estacionado por 6 dias num estacionamento coberto e utilizamos os transportes públicos. Descemos a região da Borgonha, que mais parece um grande pasto, de esticão, fazendo questão de parar em Chablis (onde minha mãe descobriu que seu francês era tão formal que as pessoas tinham dificuldade em entendê-la). Pegamos frio e chuvarada na estrada, mas fomos recompensadas com três arco íris simultâneos. Incrível. Então chegou a vez da Provence… Ah! Provence… Tudo é lindo e cheira bem na Provence: os jardins, as casas, os vinhos, as comidas… Desde então minha tem certeza que em outra vida foi Provençal (e eu concordo). Visitamos Gorges, Avignon (terra de Papas) e depois Nice e Mônaco na Cote D’azur. Por último, passamos por Carcassone e o mítico Canal du Midi. Tinha certeza de que encontraria Asterix em cada esquina. Fizemos tudo com muita calma, em três semana de viagens que também inclui 1 noite em Salamanca e em Bilbao na ida e 1 noite em Burgos na volta.

*Lourdes é essa fantástica manequim de metal que nos acompanhou parte da viagem para vir viver comigo em Lisboa e Sines. Cuidamos muito bem dela durante todo o percurso:

Seguem algumas fotos.

4 comentários sobre “Tour de France

  1. nardele

    Seu blog estava, por algum acaso do wordpress, linkado a um posto recente meu. Como eu amo a França e conheço alguns lugares de lá, entrei e ameeeei sua viagem! E sua mãe! Que delícia total. Conheco o Vale du Loire e algumas outras cidades pequenas, dessas muito lindas. Voei de balão e quase me perco na estrada, havia… vinhas por toda parte! hahahaha Enfim, que beleza seu texto! Beijo!

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    1. Obrigada! É que bom que meu texto te fez lembrar de um momento ótimo, de uma viagem inesquecível. Acho que mais o que ter milhares de seguidores, esses encontros é o que há de mais bacana em ser escritora… a gente nunca sabe quem irá nos ler, com quem nossa história irá conversar.

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